A ALMA DAS FOLHAS
Imersão: Grupo Flor do Brumado
Onde: Mogi Mirim, SP
Ofício: Esqueletização de folhas
Comunidade: Caipira
Na zona rural de Mogi Mirim,
município do interior do estado de São Paulo,
conhecemos um processo artesanal ancestral
que eterniza a natureza da folha e a transcende em flor.
Desde os tempos coloniais, os moradores dos entornos da cidade, que trabalhavam no roçado, formavam os caipiras: longe da conotação limitada, é a área cultural que mais caracteriza a formação de nossa gente.
SISTEMAS UNIVERSAIS DA NATUREZA
Na simplicidade das folhas encontramos
um complexo sistema que nos lembra o nosso,
o do corpo humano.
Uma linha principal se ramifica em diversos eixos,
sustentando a estrutura vascular.
Ou como um rio afluente
que deságua em tantos outros,
nutrindo o corpo maior.
É uma estrada que dá sentido à criação,
é a existência de caminhos,
são as nossas diversas possibilidades.
Foi através das folhas que Cida Barros, artista plástica que coordena o projeto Flor do Brumado, se inspirou para desenvolver o artesanato produzido na zona rural de Mogi Mirim, no interior de São Paulo, e engajou dezenas de mulheres que estavam, anos atrás, sem ocupação profissional.
A região tem o cultivo de peixes como uma significativa prática de incremento econômico local e a atividade empregou muitos homens. As mulheres, ou se sentiam obrigadas a migrar para o centro urbano em busca de trabalho, principalmente serviços domésticos, ou ficavam à margem sem representatividade profissional.
O projeto deu início a um importante trabalho de fixação delas em sua região, que passaram a obter naquele ofício, um desenvolvimento criativo e aumento da auto estima, além da oportunidade de se estabelecerem em seu território de origem e a participação ativa na renda familiar.
O EQUILÍBRIO
Na piscicultura, para além do manejo da espécie em si, outros recursos naturais estão envolvidos, afim de conciliar desenvolvimento econômico com preservação ecológica. Devido à grande área hídrica que a atividade exige, é orientado que se plante muitos hectares de diferentes espécies de árvores para compensação, mantendo o equilíbrio ambiental.
Foi assim que nasceu uma reserva reflorestada. E as folhas que caem espontaneamente dessa enorme variedade de árvores, num processo de renovação natural, são a matéria prima de um processo de esqueletização realizado pelas mulheres que ali vivem.
A técnica é ancestral. Consta que já era praticada na China na Era da Dinastia Ming (século 14), e há relatos da época vitoriana (século 19) mencionando os phantom bouquets confeccionados com folhas esqueletizadas para impressionar a nobreza da Inglaterra. (J. E. Tilton & Company: “Phantom Flowers – A Treatise on the Art of Producing Skeleton Leaves”).
Estudos afirmam que há centenas de anos analisaram o mesmo fenômeno causado naturalmente, pela ação das próprias larvas e insetos que extraem da planta toda sua clorofila, substância responsável pelo tom esverdeado natural, deixando assim toda sua estrutura vascular aparente.
Fascinadas pela complexidade e beleza escondidas sob o manto da clorofila, as artesãs desenvolvem a técnica de esqueletização para acelerar esse processo, respeitando o ciclo natural das folhas.
É a partir das que já estão sob o solo, prontas para secar com a ação do tempo, que se inicia o longo processo: colheita, limpeza, cozimento, descanso, tingimento, secagem, criação artística e finalização.
CICLOS SAZONAIS
A natureza é sazonal, importante lembrar, então nem todas as folhas estão disponíveis em todas as estações do ano. Respeito ao tempo e seus ciclos.
Magnólia, figueira, graviola, goiaba, aleluia, araribá, abacate, folha-de-serra, rendada-da-mata...
No seu tom natural, ou seja, sem a etapa do tingimento, a folha sem clorofila exibe variadas nuances entre dourado, ocre e marrom. A folha clareada fica em tons marfim ou palha; e a colorida, é a folha tingida com material têxtil para ganhar as mais variadas cores, sem perder sua textura característica. Amor!
LOCALIZAÇÃO